542 - NA ALVORADA DO ESPÍRITO II

Enquanto eu meditava na expressão iniciática “Na Alvorada do Espírito”, e pensava na luz do Amor Eterno que me trouxe à vida, como sugeriu um dos amparadores extrafísicos, surgiu, no centro do olho espiritual, uma pequena chama sagrada, acesa por algum poder superior, senhor dos arcanos interdimensionais.

Bela e portentosa, aquela chama dançou à minha frente e sussurrou um nome que há muito eu não ouvia dessa forma: “SAVITRI!”(1)

Imediatamente, uma luz desceu em mim e um formoso círculo luminoso envolveu-me. Surpreso, vi surgir a figura majestosa de uma bela mulher dentro da câmara secreta do meu próprio coração espiritual. Ela sentou-se em posição de meditação e olhou-me diretamente. Nesse instante, uma onda de doçura me invadiu e fiquei sem saber o que dizer ou fazer, suspenso entre a vontade de chorar e o assombro de sentir tanto amor em alguém.
Esse é o mesmo assombro que os antigos iniciados experimentavam em seus arrebatamentos espirituais para fora do corpo físico, durante as provas iniciáticas derradeiras, quando a Mãe Divina Ísis surgia e erguia o véu do mistério entre a vida e a morte e mostrava a expressão da Luz do Todo em tudo!

No olhar silencioso dela, o véu do mistério se desfazia, e o iniciado renascia, pois o seu eu antigo havia morrido na iniciação e agora ele ressurgia como o EU do Amor e da Luz, diante da paz do esclarecimento, que lhe dizia no íntimo: “Não há morte! Você veste o vestido para descer e tira o vestido para subir!”

Ali, na experiência fora do corpo, o iniciado, renascido como Ser Dourado, era guiado pela Mãe Divina até o Sol de Osíris (2), o Senhor da Luz. E sua vida nunca mais seria a mesma. Ele agora era um DWIDJA (3) e servidor da Luz.

Com os olhos dela em mim, lembrei-me dessas passagens da antiga iniciação egípcia e, em silêncio, saudei esses corajosos iniciados de outrora, que estavam dispostos a morrer para o egoísmo e a ignorância, para renascer em ESPÍRITO e VERDADE diante da Mãe Divina.

E Ela continuava ali, fitando-me, e eu, embasbacado como um neófito nervoso à primeira hora, de frente com a prova e os hierofantes (4). Então, compreendi, em seu olhar silencioso, pelas vias do espírito, que não se media em palavras, nem mesmo pela telepatia simples, o que Ela queria.

No silêncio do assombro, eu recebi sua mensagem:

“Mais uma vez, você reúne os seus irmãos de prova na carne para um estudo luminoso. Essa é uma tarefa de muita responsabilidade, pois requer um trabalho de avivamento da chama espiritual dentro de cada um.

Resgatar a Luz interior das pessoas, perdida na noite dos tempos de suas ilusões tolas e de suas emoções turbulentas, não é tarefa de fácil consecução. É trabalho portentoso!

Juntos, você e seus irmãos de estudos resgatarão a luz secreta e, de bom grado e coração aberto, entregarão o seu brilho aos mentores extrafísicos, que direcionarão as suas energias dignas para os que tateiam nas trevas do sofrimento, sejam deste ou de outro mundo.

Nesta época atual, tão corrida e sofrida e, ao mesmo tempo, tão luminosa e cheia de oportunidades de despertar espiritual, os poderes celestes abençoam todos aqueles que acreditam na Luz. E, mais ainda, aqueles que são submetidos às duras retificações cármicas e, mesmo assim, confiam na Luz.

Aos justos, o que é justo!

Aos olhos celestes, cada pensamento é revelado. A Luz sabe quem são os seus trabalhadores fiéis. E também sabe quem é traidor de si mesmo e dos votos iniciáticos profundos.

Eu estarei com você e seus irmãos em mais essa jornada luminosa, dentro de seus corações.

Sejam abençoados e jamais se envergonhem de sustentar a confiança na Luz entre os homens.

No tempo certo da existência eterna de cada um, nesta ou em outra vida, neste ou em outro plano, o véu da ilusão será erguido definitivamente. Então, a Luz revelará os arcanos espirituais aos justos de coração e os guiará ao SOL DE AMOR NO CENTRO DO TODO!”

Enquanto eu registrava a sua mensagem, Ela plasmava espiritualmente em seu próprio rosto, em rápida sucessão psicossomática, rostos de muitas outras mulheres, de diversas raças. Em um instante, era o rosto de uma negra, no outro, de uma branca, a seguir, de uma oriental ou indígena, e assim por diante... e também surgiram rostos das divindades femininas de todo o mundo: Kali, Maria, Kwan Yin, Mátaji, Deméter, Diana, Yemanjá, Ísis, Lakshimi, Sarasvati, e muitas outras...

Finalmente, ela fixou apenas um rosto de luz, sem aparência definida. E eu compreendi o significado de tão intensa plasmagem: Ela é e está em todas as mulheres! É forma e sem forma! É a Grande Mãe, que poucos homens compreendem, e para quem os iniciados se ajoelham, quedados e assombrados diante de tanto amor. Ela é a Mãe Divina, madrinha de toda iniciação, que levanta o véu e revela a Luz.

Ainda assombrado, eu a vi depositar uma rosa branca dentro do meu peito. Em seguida, Ela saudou-me com um gesto de cabeça e se desmaterializou suavemente.

P.S.: Enquanto passo a limpo estes escritos (extremamente pobres e sem o perfume sutil Dela), continuo embasbacado, sem saber se rio ou se choro, suspenso entre a responsabilidade de manter a chama acesa e grafar corretamente sua mensagem, e com a noção de que estas palavras que escrevo são muito pequenas diante do assombro que se sente em uma experiência dessas.

Oxalá, os meus colegas de estudo espiritual (5) possam aproveitar algo desta mensagem.

Que nós sejamos dignos do avivamento da chama espiritual em nossos corações-neófitos da vida (6).

- Wagner Borges -
São Paulo, 05 de julho de 2004.

1. Savitri (do sânscrito): produtor, progenitor, gerador, pai; o Sol; Raio solar ou feixe destes raios; Célebre hino de Visvâmitra em honra ao Sol. Sobrenome de Uma ou Parvati, esposa de Shiva. É também o nome próprio da mulher de Satyavan no épico “O Mahabaratha”; e também nome de um épico escrito pelo sábio Sri Aurobindo.

2. Osíris: dentro da cosmogonia do antigo Egito, era o Pai da Luz, o Sol, doador da vida; por contraponto natural, sua esposa, Ísis, a Mãe Divina, era associada à Lua e considerada madrinha das iniciações que eram realizadas nos templos esotéricos; e o filho dos dois era o divino Hórus, o portador da Luz e da renovação.

3. Dwidja (do sânscrito): o renascido das entranhas de si mesmo. Aquele que vive as duas vidas (física e extrafísica). Por metáfora, o projetor extrafísico iniciado nos arcanos espirituais.

4. Hierofantes: dentro do contexto das iniciações esotéricas da antigüidade, eram os mestres que testavam os neófitos nas provas iniciáticas.

5. Esses escritos foram originalmente direcionados para a turma de 122 alunos do curso “Na Alvorada do Espírito”, realizado no IPPB.

6. Para enriquecer estes escritos e melhorar a compreensão do leitor a respeito do tema, transcrevo na seqüência um trecho da iniciação hermética do antigo Egito, torcendo para que algo de bom surja no coração de cada um, ao ler, abertamente (ou “com a mente aberta”, ou ”com o coração aberto”) e sem véus, um texto sobre o momento emocionante do batismo de fogo do iniciado nas câmaras secretas dos templos de outrora.

“No crepúsculo, os sacerdotes de Osíris, empunhando tochas, acompanhavam o novo adepto a uma cripta baixa, sustentada por quatro pilares assentados sobre esfinges. Em um canto, encontrava-se aberto um sarcófago de mármore.

E o hierofante o advertia:

- Nenhum homem escapa à morte, e toda alma viva está destinada à ressurreição. O adepto passa vivo pelo túmulo para, desta vida, entrar na luz de Osíris. Deita-te, pois, neste sarcófago e espera a luz. Nesta noite atravessarás a porta do Terror e alcançarás os umbrais do Mestrado.

O adepto deitava-se no sarcófago aberto, o hierofante estendia a mão sobre ele para abençoá-lo, e o cortejo dos iniciados se afastava em silêncio da sepultura. Uma pequena lâmpada deixada no chão iluminava ainda, com sua luz incerta, as quatro esfinges que sustentavam as colunas atarracadas da cripta. Um coro de vozes profundas se fazia ouvir, baixo e velado. De onde vem ele? É o canto dos funerais!... Ele termina, a lâmpada lança um derradeiro clarão, depois se extingue completamente. O adepto está só nas trevas, o frio do sepulcro cai sobre ele e congela-lhe todos os membros. Passa gradualmente pelas sensações dolorosas da morte e cai em letargia. Sua vida desfila diante dele em quadros sucessivos, como algo irreal, e sua consciência terrestre torna-se cada vez mais vaga e difusa. Mas à medida que sente seu corpo se dissolver, a parte etérea e fluida de seu ser se desprende. Ele entra em êxtase...

Que ponto brilhante e longínquo é este, que aparece, imperceptível, no fundo negro das trevas? Ele se aproxima, aumenta, transforma-se numa estrela de cinco pontas, cujos raios têm todas as cores do arco-íris e que lança nas trevas descargas de luz magnética. Agora é um sol que o atrai na brancura de seu centro incandescente. Será a magia dos mestres que produz essa visão? Será o invisível que se torna visível? Será o presságio da verdade celeste, a estrela flamejante da esperança e da imortalidade? – Ela desaparece; e em seu lugar um botão de flor desabrocha na noite, uma flor imaterial, mas sensível e dotada de uma alma. Abre-se diante dele como uma rosa branca; desabrocham suas pétalas, e ele vê tremularem suas folhas vivas e avermelhar-se seu cálice inflamado.

Será a flor de Ísis, a Rosa mística da sabedoria que encerra o Amor em seu coração?

Mas, eis que de repente ele se evapora como uma nuvem de perfumes. Então, aquele que estava em êxtase se sente inundado num sopro quente e acariciante. E, depois de ter tomado formas caprichosas, a nuvem se condensa e se transforma numa figura humana. É a figura de uma mulher, a Ísis do santuário oculto, porém, mais jovem, sorridente e luminosa. Um véu transparente a envolve em espiral, e seu corpo brilha, revelando-se. Segurando um rolo de papiro, ela se aproxima docemente, inclina-se sobre o iniciado deitado no túmulo e lhe diz: “Eu sou a tua irmã invisível, tua alma divina, e este é o livro da tua vida. Ele contém páginas repletas de tuas existências passadas e páginas brancas das futuras. Um dia, desenrolarei todas diante de ti. Agora tu me conheces. Chama-me e eu virei!” E enquanto ela fala, brota-lhe dos olhos um raio de ternura... presença de uma reprodução angélica, promessa inefável do divino, fusão maravilhosa no impalpável além!...

Mas tudo se rompe, a visão se desfaz. Uma dilaceração atroz... e o adepto se sente precipitado em seu corpo como em um cadáver. Volta ao estado de letargia consciente; círculos de fogo apertam-lhe os membros; um peso terrível comprime seu cérebro; ele desperta... e, de pé, diante dele, está o hierofante, acompanhado pelos magos. Rodeiam-no, fazem-no beber um cordial, e ele se levanta.

Proclama, então, o profeta:

- Eis que surges ressuscitado! Vem celebrar conosco o ágape dos iniciados e conta-nos tua viagem na luz de Osíris. Pois, de hoje em diante, és um dos nossos.”


(Texto extraído do excelente livro “Os Grandes Iniciados”, de Édouard Schuré – Edição original de 1889, publicada na França – Editado em português pela Editora Ibrasa.)

Texto <542><06/08/2004>

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