EUTANÁSIA

Será que um doente que sofre irremediavelmente, ao ter sua vida abreviada, está sendo ajudado ou estará perdendo uma oportunidade de grande aprendizado espiritual?

Dr. José Roberto Pereira dos Santos
Associação Médico-Espírita do Brasil
A palavra Eutanásia origina-se do grego euthanasia (eu = bom, thanatos = morte). O dicionário Aurélio conceitua eutanásia como morte serena, sem sofrimento, ou a prática pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável.

A história nos mostra que a prática da eutanásia vem sendo utilizada há séculos. Nos tempos de Hipócrates (400 a.C.), os médicos eram procurados pelos doentes fartos de viver para terem um alívio pela morte que um tóxico lhes proporcionaria.

Em alguns países, como a Holanda, a eutanásia já é considerada simples ato médico, desde que sua adoção foi aprovada pelo Parlamento em 9 de fevereiro 1993. Há 28 procedimentos obrigatórios que o médico deve cumprir antes de permitir a eutanásia. Neste país, a eutanásia já vinha sendo praticada há mais de vinte anos, sempre com a complacência da justiça. O médico anestesista holandês, Pieter Admiraal, relata sua experiência com a eutanásia no Hospital Geral de Delft (pequena cidade ao sul de Amsterdã). Segundo o profissional, 90% da população holandesa apóia a eutanásia e cerca de oito mil desses procedimentos são realizados por ano no país. Lá a eutanásia é decidida pelo próprio paciente, não havendo participação de médicos e nem de familiares na decisão. A decisão, quando tomada e registrada em documento assinado é irrevogável e não pode ser contestada pela família. Em Delft, dois médicos, um enfermeiro e um psicólogo discutem o caso e somente se todos estiverem de acordo a eutanásia é feita. A prática da m
orte voluntária só é realizada quando todos os recursos de tratamento foram esgotados e o paciente está sofrendo muito. Durante o procedimento, o paciente tem que estar acordado e consciente, fica a sós com sua família alguns minutos e depois, recebe a visita da equipe médica. Uma superdose de tranqüilizante lhe é aplicada na veia. O paciente adormece. A morte não é imediata, pode levar minutos ou até horas (revista Veja, 912/1993). Há relatos de que na Holanda, em mais da metade dos casos, os médicos praticam a eutanásia sem o conhecimento ou consentimento do paciente (revista Veja, 11/5/1994).

Nos Estados Unidos da América, cresce a cada ano a simpatia pela adoção da eutanásia passiva. Desde 1969 vem-se utilizando um documento em que se expressam os desejos de qualquer pessoa que, ao chegar à proximidade da morte, seja evitada a manutenção da sua vida com medidas heróicas. Esse documento deu origem ao biocard, ou cartão de autodeterminação, que expressa várias vontades do seu portador no momento em que cair em estado de inconsciência. Atualmente, a maioria dos Estados norte-americanos dão consistência legal ao cartão de autodeterminação. Em 1990, o legislativo de Nova Iorque aprovou uma lei segundo a qual os habitantes daquela metrópole podem indicar um amigo ou parente para decidir se o próprio paciente não estiver em condições de fazê-lo no caso de estados terminais ou de vida meramente vegetativa, se o tratamento deve continuar ou se a morte deve ser facilitada. Aliás, também em 1990, em junho, a Corte Suprema, por cinco a quatro dos votos, deliberou sobre o problema da sustação do tratamento, amitindo-a com base na 14ª Emenda, desde que o próprio interessado nesse sentido, livre e conscientemente, tivesse manifestado sua vontade inequívoca.

No Brasil, mesmo que o doente esteja irremediavelmente condenado à morte próxima e em prolongado sofrimento, a eutanásia é sempre, em qualquer hipótese, um homicídio. Diz o Código Penal em seu artigo 121:

"Matar alguém. Pena: reclusão de seis a vinte anos. Parágrafo 1° - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral,..., o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço."

A doutrina Espírita nos esclarece que o ser humano é constituído de espírito: sede da inteligência, centelha divina, consciência plena; de perispírito: envoltório fluídico do espírito, intermediário entre o espírito e o corpo físico; e do corpo físico.

Muitas vezes, dor e o sofrimento são necessários à evolução do espírito em busca da perfeição. Ele passa inúmeras vezes por esses momentos, através das várias encarnações, num processo de depuração energética do espírito. Todo esse processo é movido pelo livre-arbítrio em que cada indivíduo tem a responsabilidade pelos seus atos e pensamentos. A cada ação perpetrada contra o outro é revertida uma reação de igual intensidade (lei da ação e reação), que aparece na forma de dor, doenças, sofrimentos que alavancam o espírito numa evolução permanente até um dia em que não mais causará mal ao seu próximo.

A finalidade do sofrimento não é punitivo mas sim educativo. O indivíduo que prejudicou o semelhante de maneira grave, precisa sentir na "própria pele" a dor que o outro experimentou, a fim de reeducar-se e, quando novamente posto numa situação em que tenha oportunidade de reincidir, ele seja capaz de resistir aos seus impulsos. E alei, a ordem natural das coisas.



REFORMA ÍNTIMA

A maioria das doenças, principalmente aquelas crônicas, como o câncer, tem origem nesse mecanismo de resgate. O indivíduo, em determinada época de sua vida, vê aflorar no seu corpo físico as alterações patológicas, conseqüência de energias condensadas do perispírito, bombardeadas no corpo físico. Portanto, essas doenças tem origem no espírito.

Quantas pessoas conhecemos que após experimentar sofrimentos intensos, até constantes, mudam radicalmente o seu comportamento diante da vida, deixam de ser egoístas; passam a valorizar mais o espiritual e menos o material; dão mais valor à sua vida, apesar de todos os problemas e esquecem as futilidades que antes tanto valorizavam? Esses indivíduos aprenderam e cresceram com o sofrimento, enfim, evoluíram.

Na morte ou desencarnação, o espírito e perispírito separam-se do corpo físico e regressam para o mundo espiritual. Para a grande maioria dos espíritos, o momento dessa separação é vivido com muita alegria, como se fossem liberados de um pesado fardo. Isso é claro, de acordo com a evolução moral de cada um. Mas apesar da sensação prazerosa de passar para outra dimensão, não se deve buscar a morte, pois temos compromissos assumidos com a vida terrena e devemos valorizá-la.

Antes de cada encarnação, o próprio espírito, no mundo espiritual, traça as metas de sua nova existência, as provações por quais passará para poder evoluir. Até o momento da morte já pode vir determinado.

Pelo livre-arbítrio, o espírito encamado pode modificar o roteiro que traçou e mesmo o instante da morte pode ser alterado, seja por atitudes elevadas, ou por uma vida desregrada. Há também os casos de suicidas, viciados ou aqueles que em determinados esportes ou profissões "desafiam a morte".

PROVIDÊNCIA DIVINA

Em "O Evangelho Segundo o Espiritismo", Allan Kardec faz a seguinte questão: Um homem está, agonizante, vítima de cruéis sofrimentos; sabe-se que seu estado é desesperador; é permitido poupar-lhe, alguns instantes de angústia, apressando o seu fim?

A resposta que temos é a seguinte: Quem pois, vos daria o direito de prejulgar os desígnos de Deus? Não pode ele conduzir o homem à borda do fosso para daí o retirar, afim de fazê-lo retornar a si mesmo e de conduzi-lo a outros pensamentos? Em qualquer extremo que esteja um moribundo, ninguém pode dizer com certeza que sua última hora chegou. A ciência jamais se enganou em suas previsões? Eu sei muito bem que há casos aos quais se pode considerar, com razão, como desesperadores, mas se não há nenhuma esperança fundada de um retorno à vida e à saúde, não existem inumeráveis exemplos em que, no momento de dar o último suspiro, o doente se reanima e recobra suas faculdades por alguns instantes? Pois bem! Essa hora de graça que lhe é concedida, pode ser para ele da maior importância, porque ignorais as reflexões que poderia fazer seu espírito nas convulsões da agonia, e quantos tormentos pode lhe poupar um relâmpago de arrependimento.

O materialista, que não vê senão o corpo e não considera a alma, não pode compreender essas coisas; mas o espírita, que sabe o que se passa além do túmulo, conhece o valor do último pensamento. Abrandai os últimos sofrimentos quanto esteja em vós; mas guardai-vos de abreviar a vida, não fosse senão de um minuto, porque esse minuto pode poupar muitas lágrimas no futuro" (São Luis, Paris, 1860).

Como demonstrado nas pesquisas do dr. Raymond Moody Jr., os pacientes que passaram por situações de "quase morte, após acordarem, relataram tudo o que lhes ocorreu durante os instantes em que estavam em coma. Viam e ouviam o que se passava e o que era falado pela equipe médica que os atendia. Os espíritos superiores e os estudiosos espíritas nos explicam que, em algumas situações, como durante o sono, hipnose, choques elétricos e emocionais, jejum, doenças consumptivas, relaxamento muscular profundo, coma etc., o espírito, acompanhado do seu invólucro fluídico (perispírito), se afasta do corpo físico e fica ligado a esse por um ligamento energético (cordão fluídico). Durante esse desdobramento, o espírito, que detém a consciência, vê tudo o que se passa no ambiente, bem como pode visitar locais distantes. Esse conhecimento mostra como é importante a conduta da equipe médica diante de um enfermo grave, principalmente no que concerne ao que é falado à beira do leito e às decisões toma das relativas à descontinuidade da vida daquele ser.

No jornal "O Reformador" há o seguinte relato: "Chico Xavier visitou durante muitos anos um jovem que tinha o corpo todo deformado e que morava num barraco à beira de uma mata. O estado de alienado mental era completo. A mãe deste jovem era também muito doente e Chico a ajudava banhá-lo, alimentá-lo e a fazer a limpeza do pequeno cômodo onde moravam.

O quadro era tão estarrecedor que, numa de suas visitas em que um grupo de pessoas o acompanhava, um médico perguntou à Chico:

- Nem mesmo neste caso a eutanásia seria perdoável?

- Não creio doutor, respondeu-lhe Chico. Este nosso irmão, em sua última encarnação tinha muito poder. Perseguiu, prejudicou e com torturas desumanas tirou a vida de muitas pessoas. Algumas o perdoaram, outras não e o perseguiram durante toda a sua vida. Aguardaram o seu desencarne e, assim que ele deixou o corpo, eles o agarraram e o torturaram de todas as maneiras durante muitos anos. Este corpo disforme e mutilado representa uma bênção para ele. Foi o único jeito que a Providência Divina encontrou para escondê-lo de seus inimigos. Quanto mais tempo agüentar, melhor será. Com o passar dos anos, muitos de seus inimigos o terão perdoado. Outros terão reencarnado. Aplicar a eutanásia seria devolvê-lo às mãos de seus inimigos para que continuassem a torturá-lo.

- E como resgatará ele seus crimes? - Inquiriu o médico.

- Irmão X costuma dizer que Deus usa o tempo e não a violência."

Em uma palestra que proferi na sede da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo, no dia 15 de junho de 1993, o médico e médium Ronaldo Sfalsini psicografou a seguinte mensagem, enviada pelo Espírito Irmão Paulo:



CORPO: TEMPLO SAGRADO DA VIDA

Meus irmãos, muita paz.

Vive o homem, ao horror da morte que o espreita, fria e cismarenta, às sombras, como um parecer de queda indubitável nas profundezas de um abismo. Ignora a morte como a própria vida.

Desconhece a finalidade suprema do ser, a sublimidade de uma existência, e o seu objetivo divino. Em sua filosofia imediatista procura refugiar-se agarrando-se ao materialismo insano, com evidente bloqueio de suas faculdades superiores.

A ciência evoca suas conquistas técnicas, em definições subjetivas, em que os limites do ponderável e do imponderável resvalam-se nos conceitos e preconceitos dos homens que a conduzem. A verdade, porém, conclama revisões detalhadas das conclusões inadvertidas, na certeza da enfermidade dos momentos e das opiniões, dos conceitos e das condutas.

Marca-se nova era no processo do ser humano, do ser total, globalizado na forma de existir, não dissociado do meio em que vive, nem tampouco de seus sentimentos mais íntimos.

Entende-se melhor o processo do ser que está doente, e não da doença que acomete o ser, sendo portanto legitimo o legado espiritual do homem, pois não se pode mais compreendê-lo sem o binômio espírito-matéria.

E o ser que vive, habitando em espírito um corpo que lhe serve de veiculo, instrumento capaz de lhe possibilitar desenvolver habilidades que o fará progredir, edificar, sonhar e amar.

Evoluir é imperativo divino, onde todos terão que trilhar, em busca de si próprio e de Deus.

A ninguém é dado ferir esse princípio da divindade, de separar aquilo que somente Deus pode unir: Espírito e corpo.

Nasce um ser, inicia-se uma nova caminhada. É o exercício supremo da própria vida à cata de experiências que enriquecerá essa alma, até que a torne pura, e em sua sapiência livre e liberta dos laços da carne.

Vive o homem, e em muitas oportunidades bate-lhe à porta o sofrimento a requisitar-lhe o exercício da paciência e da resignação. Momentos ímpares para a reflexão mais profunda e apurada. Exalta-se aí, em graus até então não conhecidos, a sensibilidade,o afeto, o entendimento e a compreensão. O homem não morre, transmuta.

Que os homens possam entender a grandeza do momento, facultando ao que necessita, meios de entendimento e, com delicadeza, ajudá-lo, amenizando o quanto possível suas aflições. Que não sejam juízes severos em seu veredicto, que a bem da verdade e do bem comum, selam a sentença da insanidade.

A vida é propriedade de Deus, não sendo, portanto, delegados a ninguém poderes de decisão sobre ela.

Rechaça a razão o julgamento equivocado sobre a abreviação, a título de encurtar o sofrimento. Fere por si todo o código de moral, de caridade, de amor e de justiça. Ecoa na alma, a sandice de um momento impensado com tal veemência, que por muito tempo ficará marcado na estrutura mais delicada do ser.

A vida, bem mais precioso, processo de depuração e crescimento, alavanca do progresso pessoal e coletivo, que deve ser valorizado e respeitado. Nada tem valor igual ou maior; que possamos compreender isso e muito mais.





ATITUDE PRECIPITADA


Flamínio Fávero transcreve em seu livro Medicna Legal, um trecho da aula de Estácio de Lima “Perto de Paris, adoece a filha de um médico, vitimada de difteria; na época doença de difícil prognóstico cuja evolução para óbito ascedia à cifra espantosa de 99%. Valeu-se de tudo que possível o pai para salvar a filha. Vieram os fenômenos asfíxicos. A cianose da face era, então, o sinal precussor da morte! Consultara, em desespero de causa, os colegas de Paris. Nenhuma resposta, doía-lhe, ao infinito, o espetáculo da ansiedade sem cura da pobrezinha. Pensa, nesse instante, em abreviar o desfecho. Uma injeção de ópio muito forte que aliviasse tudo, tudo... Pensou, e fez! Não falhou o tóxico. Veio, cedo, a serenidade definitiva... No momento do enterro recebeu um telegrama com os seguintes dizeres: Roux acaba de descobrir o soro anti diftérico, aplicando-o com êxito. Aguarde remessa...”



AS FASES PSICOLÓGICAS QUE O DOENTE TERMINAL VIVE

A dr. Elizabeth Kubler Ross, tanatologista (médico especialista em lidar com o paciente terminal) norte-americana, em entrevistas com inúmeros moribundos, dividiu em cinco, as fases ou etapas que passam esses pacientes em relação ao seu estado:

Negação: nessa fase, que ocorre em seguida à noticia de sua doença, o paciente nega essa realidade (Não é possível. Dever haver um engano).

Raiva: o paciente já admite estar com uma doença terminal, porém questiona (Por quê eu?).

Pacto: uma vez admitida sua situação terminal, vem a fase da negociação, quando ele tenta superar seu mal através de promessas e barganhas (inclusive com Deus).

Depressão: já tem como definitivo o seu processo patológico, mas não está preparado para aceitar a morte.

Aceitação: está, então, preparado para o momento final. Alguns podem encontrar-se em uma dessas fases e dela não sair, outros atravessam todas as fases. Isso mostra como é importante o dialogo com o paciente terminal para ajudá-lo a superar os momentos negativos.

(Extraído da Revista Cristã de Espiritismo nº 02, página 13-18)

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