O MAIOR POEMA DE AMOR

- Por Mauricio Santini -

Quando voltei ao mundo, minha mãe banhou-me com água e sândalo e logo depois, acomodou-me no meu berço de palha e feno. Confesso que naquele momento senti o frio de estar aqui de novo, apesar de todo acalanto. Fazia tempo que eu não chorava tanto! Fazia tempo que eu não sentia o alento, o sustentável sopro de vida na Terra! Imagino-me numa manjedoura, onde os meus pais zelavam pelos meus sonhos! Daí vieram os reis e os magos, e toda uma sorte de oferendas - o incenso, que materializava o espírito do fogo e trazia o odor das brisas mais suaves do Jordão, a mirra, que untava o meu corpo infantil feito a argila que se molda à terra e o ouro, que trazia a alquimia do meu espírito já liberto. Acredito eu ser Jesus e que o Cristo habita dentro de mim! Creio, piamente, ser aquela estrela vespertina que guia os passos daqueles homens que buscam a Plenitude da Alma.
Quando novamente voltei ao mundo, minha mãe pariu-me nas matas sagradas de Kapilavastu e eu surgi por entre as figueiras. Pisava os meus pés descalços sobre o tapete das flores de lótus, que se abriam para saudar a natureza em mim manifestada. Eu era o pequeno príncipe no imenso jardim do Senhor, Soberano, coberto de glórias e de louvores. Acredito eu ser Gautama e que o Buda habita dentro de mim!
Creio trilhar pelos caminhos do meio e assim, peregrino das minhas andanças, faço jorrar equilíbrio aos homens. Dedilho o alaúde do Senhor, com as cordas afinadas pela natureza divina.
Quando, mais uma vez, voltei ao mundo, os meus pais me deitaram sobre macias almofadas de linho branco. E a minha pele, como por encanto, tingiu-se de um azul profundo feito o oceano. Recordo-me que podia eu ver as estrelas no céu da boca da minha mãe e ainda posso sentir aquele gosto de manteiga que escorria pelos meus dedos. Acredito eu ser Krishna e que o Senhor Vishnu (1) habita dentro de mim. Creio espalhar ternura e suavidade as gopis (2), raças que o Senhor Brahma manifestou. Sou eu que toco a Sublime Canção e espalho harmonia aos quatro cantos do mundo.
Jesus, Maria e José.
Gautama, Maia e Sudodhana.
Krishna, Yasoda e Vasudeva.
Eu, Mamãe e Papai!
Sou todos eles e eles são todos em mim! Eu, que um dia fui semente, torno-me árvore frondosa. E a minha copa está voltada aos céus! Sou a árvore dos bons frutos, capaz de alimentar meus irmãos de esperança e fé! Eu deito a seiva vital aos que necessitam. Eu sorvo seus pensamentos poluentes e sórdidos e os jogo no fogo da purificação. As minhas folhas verdejantes liberam bálsamos aos que ainda trafegam pelo duro caminho de Samsara (3). A minha sombra serve de remanso aos cansados e aos que passam por mim e aos que ficam por mim. As folhas secas, jazidas no chão, são caídas pelo tempo e o Bom Pastor ara o terreno por mim. Os troncos e os caules são fortes e resistem às tempestades. Eu sou a Árvore da Vida!
Eu me curvo ao Universo. Todos os homens são deuses e eu me curvo a eles, como os súditos se curvam aos reis, como os bambus se curvam ao sopro dos ventos. Porém, curvo-me a mim mesmo e me congratulo a cada dia que renasço. Sou um barco que desliza mansamente por rios de candura e por mares tão bravios.
Posso acreditar eu ser Deus! Assim, posso tornar as ervas amargas em jarras de leite e mel. Posso espalhar-me de amor à humanidade, como as nuvens se espargem pelos céus. Posso ser a Casa do Senhor, que tem as portas e as janelas abertas ao infinito! Posso decorar meu interior com flores do campo e ornamentos do paraíso. Posso salpicar meu teto de estrelas e ainda acender todas as luzes pelas manhãs, e também quando chegam as noites mais lúcidas.
Posso eu ser compaixão, na essência divina de quando eu perdôo. Posso eu ser o Poeta Divino que tece poesias em letras de fogo e as borda pelas mãos do Grande Artesão! Posso ser eu o maior poema de amor que o Universo já escreveu. E assim, Eu Sou! E que assim, Todos Sejam!

P.S.: Texto dedicado a Wagner Borges, que busca resgatar os Cristos, os Budas e os Vishnus que habitam em todos nós.

São Paulo, 11 de junho de 2004.

- Nota de Wagner Borges:

Mauricio Santini é jornalista, escritor, poeta e espiritualista. É meu amigo há muitos anos, e sempre me emociono com os seus textos brilhantes e cheios daquele algo a mais que só os grandes escritores e poetas possuem.
Para ver outros textos dele, basta entrar em sua coluna na revista on line de nosso site (www.ippb.org.br)
OBS. Agradeço ao Mauricio pela dedicatória, e confesso que me emocionei muito ao ler um poema de tal profundidade e cheio do perfume espiritual exalado pelos grandes poetas-iniciados de todos os tempos.
Oxalá, todos nós possamos deixar florescer em nossas vidas esses grandes mestres que habitam secretamente em nossos corações. Que eles e nós sejamos UM!
E que esse UM entoe a canção do TODO que está em tudo.
Nas notas da flauta de Krishna, aquela alegria.
No olhar de Jesus, aquele amor incondicional.
No silêncio do Buda, aquela luz do equilíbrio.
Na senda do eterno, todos nós.
No maior dos poemas de amor, Deus!
E assim a canção eterna segue...
Levando vida a cada canto
Nesse doce encanto
Do canto divino em nós:
OM!
Tudo de Bom!

- Notas do sânscrito:

1. Vishnu: O Divino Preservador da vida e Protetor do Universo na cosmogonia hinduísta. O Senhor do Amor, que se manifesta nos avatares (como Rama e Krishna) que reencarnam na Terra para espalhar a boa nova do espírito entre os homens.

2. Gopis: As pastoras amigas de Krishna.

3. Samsara: A Roda reencarnatória compulsória. A roda da lei que gira o espírito pelas várias vidas, até que ele se liberte da ilusão e vença os ciclos vitais, tornando-se livre e não necessitando mais reencarnar nos mundos densos de forma obrigatória.

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