PARA ONDE AS PESSOAS VOLTAM?

- Por Vanderlei Oliveira -


Ontem ela estava aqui!

Ela preparou o jantar, sentou-se à mesa conosco, compartilhou de sua alegria e, como sempre fazia, cuidou de cada um de nós.

Após o jantar veio o boa-noite e o sono final.

Para nós, apenas um corpo frio e as lembranças de um último jantar, aparentemente comum, como sempre fora.

Restava-nos apenas um corpo inanimado e sem brilho, esticado, ao qual olhávamos, ainda estupefatos, atordoados, ansiando, quem sabe, algum movimento ou, talvez, descobrir que tudo não passara de um sonho.

Onde estaria aquele brilho no olhar, que víamos todas as noites, desde quando ela nos segurava no colo?

Teria se apagado a chama que mantinha aceso um coração que nos enchia de amor, carinho e alegria?

Teria silenciado o som do amor e do carinho, que tocava como uma flauta no coração, acompanhado do olhar de mãe, no momento em que aquele aparente "recipiente vazio" se quebrou, sem possibilidade de conserto, deixando esvair-se a luz que ali habitava?

Teriam se reduzido a um corpo frio e um olhar sem brilho, todos os nossos sonhos? E qual o sentido de vivermos?

Teria ela sido apenas a nossa porta de entrada nesse mundo?

Às vezes, surge um sentimento de revolta, que nos leva ao debate com nossas emoções e situações complicadas de um dia-a-dia louco e descontrolado, tendo ainda, como agravante, que sejam tiradas de nossas vidas as pessoas que nos amam e que formam nossa base de alegria e carinho... Por que isso?

Nossos principais tesouros da vida! Aqueles que mais amamos e que talvez sejam as únicas pessoas que sintamos realmente nos amar... Por que isso?

A mãe foi nossa porta de entrada neste mundo, vindos de um local que não recordamos, por um motivo que desconhecemos, mas que sabemos ser por um período de tempo limitado, mesmo não querendo pensar nisso... sabemos que um dia voltaremos, não sabemos para onde e não sabemos por quê.

Durante a vida descobrimos que temos um ao outro, por um tempo, mas não sabemos até quando. Desperdiçamos as chances de expressar nossos sentimentos, envolvidos nas loucuras turbulentas de nossa vida corrida e sem sentido, numa falsa timidez, que garante apenas um local para nos escondermos.

Mas o corpo frio, esticado na cama como num sono sem retorno, faz com que o tempo pare à nossa volta. Como se nos perdêssemos no vazio de nosso próprio mundo interno, um mundo em que vivemos desconectados, que desconhecemos e, muitas vezes, ignoramos!

Julgamos possuir a vida! Dominar a vida! E ela sempre nos mostra o quanto estamos longe disso.

Julgamos possuir a inteligência, e nem mesmo conseguimos curar a dor gerada

por algo que acontece na natureza a todo o momento e que arrebata a todos, bastando, para isso, que tenhamos nascido.

Habitamos corpos frágeis e somos frágeis em nossos sentimentos e nossas Emoções; somos arrebatados diante dos fatos incompreendidos da realidade à nossa volta.

Com o passar dos dias, nos perguntávamos:

- Para onde fora aquela alegria? Onde estará ela?

Nesse momento, nos vêm a necessidade e quase a certeza, de acreditar que um outro lugar existe. Acreditar em algo que julgávamos não ser tão importante em nossa vida, por não podermos apalpá-la diretamente; algo que poderíamos deixar passar e ir vivendo nosso dia-a-dia, sem maiores questionamentos, desfrutando apenas aquilo que se pode ver e tocar.

Nesse momento, nos questionamos sobre o real sentido da vida! De nossos sentimentos e os porquês...

Olhamos para o sol e nos lembramos do brilho daquele olhar! Ele nos dava força para continuar caminhando a cada novo dia, em direção ao nosso próprio destino, mesmo que não nos déssemos conta disso.

Esse mesmo sol, que brilha e desperta em nosso interior a esperança de um novo dia, de um novo amanhã; quem sabe um amanhã em que poderemos nos reencontrar e dizer aquela palavra que ficou apenas em nossos pensamentos, que ficou engasgada diante de um corpo frio; dar aquele abraço de gratidão que ficou enroscado em nossa timidez, ou em nosso orgulho ou na dureza de nossos condicionamentos e preconceitos.

Esse sol que nos leva a esperar o dia em que teremos novamente aquele abraço carinhoso, aquele olhar brilhante e forte, emoldurado pelo sorriso materno, que se manifesta apenas pela simples presença de cada um que amamos e que nos faz sentir amados, queridos e fortes.

Para onde as pessoas voltam?

De onde viemos? Para onde vamos? Por que estamos aqui?

Seria essa nossa verdadeira realidade?

Sair do ventre como um ato divino, em seguida ser envolvido em braços amorosos e um olhar cheio de um amor, que acalenta, dá segurança e aquece; e depois de um tempo, terminarmos olhando para aqueles braços e olhos gelados, sendo tolhidos todos os nossos sonhos e pensamentos, vendo aqueles antigos movimentos restringidos pela rigidez muscular e servindo de alimento aos vermes que habitam o subsolo?

Aquilo que amamos, talvez seja aquilo que nos recusamos a ver durante toda a vida!

Buscamos, ansiosos, satisfazer nossos desejos incoerentes, e nos esquecemos da transitoriedade das coisas. Perdemos mais tempo com valores transitórios, do que com valores perenes.

Preocupamo-nos mais com a forma, do que com o valor interno.

A vida ensina, a vida mostra, a vida nos transforma...

Tudo é impermanente, tudo passa! O tempo, as tristezas, as alegrias e as pessoas...

Feliz é aquele que consegue viver plenamente as pessoas à sua volta, com amor, carinho e respeito, pois este jamais ficará com a sensação de que deveria ter dito isso ou aquilo, quando teve tempo; ter dado menos valor às coisas pequenas, e mais à nossa amizade e amor; ter aproveitado mais enquanto ela estava por aqui.



P.S.: Esse texto é dedicado a todos os filhos, filhas e pessoas que perderam algum parente próximo e que passaram por muitos desses questionamentos, por não terem feito aquilo que lá no fundo o seu coração pedia.
E para aqueles que ainda podem ter a chance de mudar o rumo das coisas, em vida...


- Nota de Wagner Borges: Vanderlei Oliveira é nosso amigo de muitos anos. É participante do grupo de estudos e assistência espiritual do IPPB. É um dos organizadores de nosso site. É professor de Ioga e recentemente esteve fazendo um aprimoramento dessa antiga disciplina na Índia, por alguns meses. Para mais detalhes sobre o seu trabalho, favor ver a sua coluna na revista on line de nosso site – www.ippb.org.br
 

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