ENQUANTO AINDA ESTOU LÚCIDA

Dá vontade de desistir, principalmente quando as pessoas começam a caminhar por cima de nós, como se não estivéssemos por lá.

Dá vontade de reclamar quando eles não vêem você, não escutam você e não compreendem que você continua a viver.
Mas ainda tenho ânimo de não me deixar abater e continuar.

Meus cabelos podem estar brancos, minha pele enrugando cada vez mais, mais ainda cuido de mim, mesmo sendo difícil manter a vaidade quando sua idade está estampada no rosto e as roupas já não combinam mais.

Hoje, tenho todo o tempo do mundo para saber como é se sentir idoso e, às vezes, dá vontade mesmo de colocar uma cara amarrada, sentar em frente à TV, ou mesmo desaparecer entre as linhas de crochê; mas enquanto eu estiver lúcida, ainda insisto em continuar.

Tenho 72 anos e ainda tenho consciência o suficiente para assumir a minha caminhada e que há ainda muito a aprender. Quando olho para trás, não me perco na nostalgia dos parques que nunca foram visitados e nas coisas que gostaria de ter feito. Não, meu amigo, eu ainda vou lá e faço. É obvio que já não tenho a mesma energia da moça que me dá lugar no ônibus, mas apesar de ser chamada de velha, ainda estou viva.

Na minha idade, nós começamos a desconfiar que a vida não acaba quando a "dona morte" vem nos visitar, mas ainda prefiro acreditar que nós só vivemos uma vez, assim aparece coragem para aquele curso, ao invés de deixar para a próxima vida a chance de aprender algo novo; aparece vontade para aquele passeio ou atividade da terceira idade, ao invés da novela na TV, e principalmente de manter aquele riso sem dente de leite, mas sincero, ao invés da cara amarrada de muita gente por aí.

Sim, nem tudo são flores; eu sou discriminada, atacada e atingida, mas por outro lado também sou respeitada, defendida e recebo carinho de todos à minha volta que reconhecem que aquela senhora continua fazendo parte de sua história.

Uma vez me perguntaram se eu gostaria de ter vinte anos novamente, mas por mais tentador que seja, reconheço que estou mais lúcida hoje do que quando eu era jovem e assumo todos os meses e dias que se transformaram em meus 72 anos nesse corpo, mas não me considero velha, nem velhoca, como muitos me chamam, apenas me considero viva.

Como a jovem que fui não serei mais, e a morta de amanhã ainda não chegou, continuo viva, viva, viva, e repito isso porque tem muita gente morta em vida.

Meus ossos estão fracos, mas até quando puder andar, vou seguir caminhando; minha vista está fraca, mas até quando puder ler, vou devorar mais um livro, escrever mais um conto e continuar olhando, aprendendo e observando as belezas do mundo, do qual ainda faço parte, e até o último sopro de ar em meus pulmões, faço questão de aproveitar a delicia que é apenas simplesmente respirar.

A cada dia que abro os olhos de manhã, reconheço que ganhei do Criador um pouquinho mais de vida, mais algumas horas extras para aproveitar e não deixar de fazer o que tenho vontade, mas se há uma lição que a vida me ensinou e que gostaria de compartilhar com vocês, é a de que cedo ou tarde, você também terá uma certa idade em que chamarão você de velho. Porém, se você ainda estiver lúcido para compreender, saberá que velho mesmo é quem, quer tenha 20 anos ou 80 anos, deixa a vida passar na mesmice do dia-a-dia por medo de tentar.

Velho é aquela pessoa que troca o riso pelo mau humor e deixa de ver que cada dia na terra é um presente de Deus para nós.

Velho mesmo é deixar escapar a oportunidade de brincar, ousar e experimentar plenamente o que nos faz humanos: a magia de escolher um caminho e vivenciar o universo que acabou de ser criado.


- Frank –
Londres, 08 de novembro de 2003

PS: Escrito por Frank, que tem apenas 29 anos de idade, mas que tem aprendido com muita gente com mais de 70 anos de que a vida não para na casa dos "tentas".
Esses escritos acima foram baseados nas conversas que eu tinha com Dona Doris, quando trabalhei no prédio em que ela morava aqui em Londres. Ela vivia no oitavo andar e me dizia que apesar de eu ser muito gentil por sempre me oferecer para comprar frutas para ela na feira, enquanto ela ainda estivesse bem e lúcida, não iria perder a oportunidade de ir lá e comprar por ela mesmo.
Dedico esse texto também a avó da amiga voadora Nina, que recentemente passou desse plano para o outro e deixou um rastro de amor, carinho e aprendizado no ar.

Frank é o pseudônimo do nosso amigo Francisco, participante do grupo de estudos do IPPB e da lista Voadores, que atualmente mora em Londres. Ele escreve textos muito inspirados e nos autorizou a postagem desses escritos. Há diversos textos dele postados em sua coluna da revista on line de nosso site, e em nossa seção de textos projetivos e espiritualistas em meio aos diversos textos já enviados anteriormente.

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