FORÇA VERDE

- Por Frank -



Desligou a moto-serra por um momento e olhou pra árvore. Ela era gigantesca e parecia quase tocar o céu. Tinha uma beleza singular, e ele teve a impressão que a árvore realmente era viva, como diziam esses "doutores" do sul do país, que, volta e meia, surgiam pelas redondezas para protestar ou tentar ensinar o povo daquela região como viver. O que eles sabiam sobre a vida dos ribeirinhos? O que eles, tendo crescido com todo o conforto da cidade grande, sabiam sobre alimentar dez bocas e sobreviver numa terra de ninguém?
Talvez soubessem uma coisa e outra sobre as árvores, mas não tinham direito de aparecer ali para atrapalhar a vida de quem tentava sobreviver no Amazonas. As coisas não estavam tão bem, aliás, nunca estiveram; mas a seca tinha matado os peixes, a falta de chuva destruiu a lavoura e só restava o trabalho com a moto serra. A empresa do sul do país pagava mais por uma árvore caída, do que toda a pescaria de um mês.

Mas havia algo errado com ele, por que não conseguia ligar a moto-serra? Era como se ele estivesse prestes a matar um bicho. Havia certa hesitação, e havia tanto trabalho a ser feito, mas ele não parava de olhar para aquela árvore; era como se ela o tivesse enfeitiçado.

Por um breve instante, sua mente se expandiu para além do seu corpo, era como se ele voasse além do tempo e do espaço, sentindo que o verde o envolvia por completo. Viu a floresta por cima e viu as árvores sendo arrancadas do solo, uma por uma.

Como se avançasse no tempo, não viu mais a floresta, mas um cerrado no lugar, com árvores rasteiras e arbustos. O Rio Amazonas tinham dado lugar a um córrego pequeno, que esperava, ansioso, pelas chuvas que agora só caiam no inverno. De alguma forma, ele sabia que cada árvore derrubada influenciara na transformação da floresta em cerrado.

Lágrimas caiam do seu rosto, ao compreender finalmente o papel do povo ribeirinho. Eles estavam ali para mostrar ao mundo que era possível viver na floresta sem destruí-la, vivendo em harmonia com a natureza. Para viver na terra, os seres humanos precisavam compreender que destruir o meio ambiente era assinar sua própria carta de extinção. Ele tinha visto isso no cerrado deserto ocupando o lugar da floresta recheada de vida.

A sensação de pertencer a tudo se foi, quando ele ouviu o grito do supervisor da empresa de madeira gritando seu nome:

- Acorda, Sebastião! Temos trabalho a fazer!

Tendo despertado do transe, ele olhou uma vez mais para a árvore; mas, em seguida ligou a moto-serra e começou seu trabalho. Toda aquela "viagem" fora causada pelo calor, ele pensou, afinal, algumas árvores não fariam diferença naquele oceano verde que era o Amazonas; além disso, dez bocas o esperavam naquela noite, e ele não as desapontaria.



São Paulo, 26 de outubro de 2005.

- Nota de Wagner Borges: Frank é o pseudônimo do nosso amigo Francisco, participante do grupo de estudos do IPPB e da lista Voadores. Depois de vários anos morando em Londres, ele voltou a residir em São Paulo, em fevereiro de 2005. Ele escreve textos muito inspirados e nos autorizou a postagem desses escritos. Há diversos textos dele postados em sua coluna da revista on line de nosso site e em nossa seção de textos periódicos, em meio aos diversos textos já enviados anteriormente. www.ippb.org.br

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