NÃO DÁ PARA CULPAR AS FLORES

- Por Frank -


Há um CD, que gosto muito, mofando em algum lugar da minha estante. Não o esqueci, pois volta e meia, tenho vontade de ouvi-lo; sinto saudade de suas faixas e da alegria que me dava, mas sou impedido de tocá-lo novamente.
O que me impede é saber que o compositor daquelas músicas tão maravilhosas está sendo acusado de pedofilia.

Quando eu soube, não quis acreditar. Como alguém capaz de criar melodias tão maravilhosas, poderia ser capaz de atos tão bárbaros? Como alguém capaz de tocar nossas almas com suas belas canções, poderia ser alguém que cometera um crime tão cruel quanto esse, que nem ouso pensar?

Em princípio, fiquei enraivecido com a notícia. Desapontado, ameacei jogar todos os seus Cds no lixo; mas daí a decepção foi pouco a pouco se transformando em tristeza, em falta de fé numa humanidade que é capaz de criar gênios e monstros, anjos e demônios. Porém, não demorou muito para eu me lembrar que todos nós temos um pouco de médico e de monstro; somos capazes de ajudar o próximo em apuros e, ao mesmo tempo, sob pressão, podemos até matar.

Foi nessa auto reflexão, que me olhei no espelho e percebi que, novamente apressei-me em julgar, esquecendo que somos todos farinhas do mesmo saco; afinal, apesar de escrever sobre o coração, por muitas vezes, sou guiado pelas emoções e cometo bobagens que nem ouso confessar. Contudo, mesmo em meio aos meus trancos e barrancos, quando me proponho a tirar uma palavra de amor da minha cartola, sei que faz valer o dia de quem a precisar ler ou escutar.

Será que é justo pisar nas flores, só porque foram plantadas por mãos especialistas em esmagar? Não seriam essas flores a melhor prova de que quem anda no escuro, no fundo, também quer se iluminar?

Por isso não joguei o Cd fora. Ele ainda está lá na estante, esperando o momento certo em que vou atravessar a ponte do julgamento e finalmente perceber que as canções são mais importantes do que o cantor, e as palavras independem do que anda fazendo por aí o escritor.


São Paulo, 03 de Setembro de 2005.

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