HINDUÍSMO - 1ª Parte

(Pequeno Estudo Sobre Advaita Vedanta – 1ª Parte)

- por Enki -

Vedanta é a filosofia indiana baseada nos Upanishades, a parte final dos Vedas (escrituras sagradas da Índia). Ela pode ser dualista (dvaita) ou monista (advaita).
A diferença entre as duas escolas é perfeitamente esclarecida por este comentário do grande mestre hindu Ramakrishna: “É inabalável a convicção do jnani de que somente Brahman realmente é real, e o mundo, ilusório. Todos esses nomes e formas são ilusórios, como num sonho. O que Brahman realmente é não pode ser descrito. Não se pode dizer, sequer, que Brahman é uma pessoa. Esta é a opinião dos jnanis, os seguidores da filosofia Vedanta”.
Mas os bhaktas aceitam todos os estados de consciência. Aceitam o despertar também como real. Não pensam que o mundo é ilusório, como um sonho. Eles dizem que o universo é uma manifestação de poder e glória de Deus, que criou tudo isto: céu, estrelas, lua, sol, montanhas, oceanos, homens e animais, que constituem Sua glória.
Ele está dentro de nós, em nossos corações. Mas também está fora.
Os mais avançados devotos dizem que Ele próprio tornou-se tudo isto: os 24 princípios cósmicos, o universo e todos os seres vivos.
“O devoto de Deus quer comer o açúcar e não, tornar-se açúcar”.
No princípio, os Vedas era o único livro que continha as orações, os ritos, os mantras, as condutas morais, etc. Seu estudo era muito complicado e extremamente elitizado. Percebendo isso, o sábio Vyasa desmembrou o Veda único em quatro livros (Arthava, Rig, Yajur e Sama), compilando e atualizando os principais ensinamentos.
Os Upanishades estão para os Vedas, assim como o Novo Testamento está para o Velho Testamento dos cristãos.
A filosofia do Advaita Vedanta (Vedanta monista, não dual), é fundamentada pela seguinte afirmação: “Brahman (Deus) é real. Brahman e Atman (o Eu profundo do homem, a essência divina) são unos. Todo o resto é irreal”.
Contudo, não podemos dizer que o mundo não seja real. Na verdade, o mundo é real e irreal ao mesmo tempo, existe e não existe. Ele existe enquanto, em ignorância, o vivenciamos. Quando o sábio atinge a iluminação, o mundo deixa de ser vivenciado e, portanto, deixa de existir.
O sistema do Yoga afirma que o mundo possui uma realidade objetiva, cujas bases são as relações da mente e da matéria. Em nosso estado de ignorância (vigília física), nossas experiências negam as experiências dos sonhos e vice-versa. Tudo o que vivemos na vigília física desaparece na plasticidade do mundo dos sonhos, e esses dois estados são negados no estado de sono sem sonhos.
No estado de sono sem sonhos, aquilo que vivenciamos como o mais verdadeiro e real (nosso ego), desaparece. Então, o que sobra? Aquilo que é a realidade subjacente a todas as coisas, o Atman. Esses três estados de consciência (vigília, sonhos e sono sem sonhos) são retratados no mantra OM.
Um mantra é uma vibração energética específica. Na literatura hindu, afirma-se que o mantra Om é a primeira manifestação energética da criação universal. Sendo assim, ele é associado à Criação.
Como exemplo da utilização da sílaba OM, citarei o mantra “Om Mani Padme Hum”, cuja tradução literal é “salve a jóia no lótus”. Num sentido mais iniciático, a tradução seria: “Que seja criada em meu coração a vibração da compaixão divina”.
A sílaba que representa o mantra OM é composta de três letras: A (símbolo semelhante ao numeral três); U (símbolo semelhante a um “rabinho”); e o M (representado pelo ponto em cima da meia lua. Gramaticalmente falando, em sânscrito, a letra “A”, associada com a letra “U”, possui o som da letra “O”, e o ponto atribui som anasalado à letra “M”.
AUM remete aos três estados de consciência comentados anteriormente. A letra “A” remete à consciência da vigília física, a letra “U”, ao estado de sono com sonhos e a letra “M”, ao estado de sono sem sonhos. Os yogues usam essas letras como mantras, concentrando a letra “A” na ponta da língua, a letra “U” na ponta do nariz e a letra “M” na região interciliar (entre os olhos).
Mas onde entra o OM nessa história?
Podemos concluir que o OM transcende todos os outros três estados de consciência. É o quarto estado de consciência do ser humano, conhecido como Turya.
Quem atinge esse estado, entra em Turyananda.
Em muitos textos vedantinos e yogues recomenda-se meditar no “Quatro”, - o OM -, o quarto estado da consciência.
Ainda falando de mantras, é importante salientar que o alfabeto sânscrito foi percebido no plano espiritual pelos antigos rishis, por clarividência, e que cada letra é um mantra ou vibração energética específica. O nome do alfabeto sânscrito é Devanagari ou escrita dos Devas (deuses).
O Atman permanece imaculado pelas nossas experiências. Permanece como um espectador, livre de tudo e imutável. Ele transcende a tudo, até mesmo ao conhecimento. Sendo assim, qualquer objeto de conhecimento, externo (o mundo fenomenal) e interno (nossos pensamentos e emoções), estando sujeito a modificações, é “irreal”. Lembrando que o mundo “é e não é”, ou seja, existe enquanto vivenciado e inexiste na iluminação, podemos verificar a existência de uma ilusão, denominada de Maya pelos sábios.
Maya é a sobreposição do mundo fenomenal a Brahman. Ela atua sobre nós de duas maneiras. A primeira é composta pelas nossas ilusões particulares ou internas. Elas nascem e morrem de acordo com nossas experiências no mundo e recebe o nome de Avidya. A segunda é a ilusão do mundo fenomenal ou exterior, que persiste durante toda a vida do homem, só terminando quando o homem se conscientiza da Verdade Absoluta, de Brahman.
Segundo Shankara, Maya se aplica ao mundo fenomenal e consiste de nomes e formas. Nome (Náma) e forma (Rúpa) são mente e matéria, ambas finitas e, portanto, diferentes de Brahman.
Para Maya existir é necessária a existência do mundo fenomenal.
Por que ele existe?
Em verdade, Brahman, sendo infinito, é sempre eterno e imutável. Se levarmos em conta a posição sustentada por muitos de que o finito tem origem no infinito, estaremos afirmando que Brahman não é a realidade última, pois está sujeito a transformações.
A filosofia Vedanta nos dá indícios de que nunca houve ou haverá a criação.
Segundo Shankara, esse mundo “aparece” a nós por causa de nossa ignorância, que tem origem no nosso ego. Por causa de nosso ego, visualizamos o mundo como um objeto e nos esquecemos de que nós também somos um objeto. Enquanto há dualidade, enquanto há a diferenciação entre “meu e seu”, com certeza não percebemos que nós mesmos somos Brahman. Somos consciências jovens e, em nossa imaturidade, enxergamos o mundo como diferente de Brahman. Falar que tudo é Brahman ou saber dessa verdade não é “ser” essa verdade.
Shankara nos diz que Maya resulta da aparente apresentação à consciência, através da memória, de algo que já foi observado em alguma parte. Para explicar seu ponto de vista ele nos dá o seguinte exemplo: “Certo dia, caminhando pela floresta, observamos a imagem de uma cobra. Essa imagem fica guardada em nossa memória. No dia seguinte, caminhando na penumbra pela mesma floresta, observamos um cipó e sobrepomos a memória da cobra à imagem do cipó, falseando a sua natureza”. É essa sobreposição que fazemos do mundo em relação à Brahman. Dessa forma, o estudante da Vedanta não medita em imagens ou símbolos. Medita na Luz, em Brahman.
Dattatreya, o grande sábio vedantino, dizia: “O verdadeiro sábio não vê diferença se o mestre é um yogue, a dona de casa, o paria ou o ladrão. Acaso alguém, em sã consciência, recusaria um diamante incrustado de impurezas”?

P.S.: “Filhos de imortal bem-aventurança: - que palavras doces e esperançosas! Permita-me chamar-lhes, irmãos, por este doce nome: herdeiros da felicidade eterna. Os hindus se recusam chamar-lhes pecadores. Pecadores? Pecado é chamar alguém de pecador! Esta é uma afirmação difamatória à natureza humana. Levantem-se – oh, leões – e arrojem longe a ilusão de que são carneiros. Vocês são imortais, espíritos livres, abençoados e eternos”.

- Swami Vivekananda –

(Texto publicado no Boletim “Paz e Luz” – Número 01 – abril de 2004).

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