Êxtase - por Stanislais De Guaita
- Por Stanislais De Guaita - (1861-1897)
"...Voltemos aos modos de Reintegração. Chamamos de reintegrado (Yogue, da Escola Mística ortodoxa, na Índia) aquele que pode, sempre que desejar, dominar inteiramente seu Eu sensível exterior, para abstrair-se em espírito, e mergulhar, pelo orifício do Eu inteligível interno, no oceano do Ele coletivo divino, onde retoma consciência dos arcanos complementares da Natureza Eterna e da Divindade.
Chamamos de "nascido duas vezes" (Dwidja, da Escola Mística, na Índia) aquele que pode abandonar sua efígie terrestre, em corpo astral ou etéreo, para haurir no oceano astral a solução dos mistérios que oculta. A reintegração espiritual interna pode tomar o nome de Êxtase ativo. Convencionou-se dar à projeção da forma sideral o nome de Saída em corpo fluídico (ou astral)...
O êxtase ativo apresenta dois graus. No primeiro, o Adepto penetra a própria essência da Natureza eterna, que lhe comunica de modo direto, sem símbolos, a Verdade-Luz. No segundo grau, ele pode comunicar-se mesmo com o Espírito puro, que o arrebata ao Céu inefável dos arquétipos divinos. Nesse caso, ocorre a transfusão da Divindade-pensamento que se faz humanidade-pensante em sua inteligência, pelo efeito de uma alquimia íntima, de uma transmutação gigantesca e inexplicada.
A Saída em corpo astral difere do Êxtase ativo, uma vez que o corpo físico parece, então, em catalepsia, acionado apenas por uma vitalidade de certa forma vegetativa, enquanto o corpo astral ou mediador plástico (envoltório ambulante da alma espiritual) flutua na imensidão do éter sideral ou luz universal e se dirige para onde quiser, vinculado ao corpo material por uma espécie de umbilicação fluídica.(2)
Assim, a personalidade consciente vagueia sob forma astral por onde lhe apraz e vai, por si mesma, tomar conhecimento das realidades longínquas que lhe podem interessar. Mas então - se são noções de ordem inteligível que ela deseja adquirir - essas noções lhe são transmitidas apenas simbolicamente, por intermédio da luz astral, que é antes de tudo configurativa, e portanto só fala oferecendo à sagacidade do Espírito uma série de imagens que este deve, em seguida, traduzir como hieróglifo do Invisível. O modo concreto e emblemático é, assim, o único de que a Verdade pode fazer uso para exprimir-se por intermédio do Astral.
Na modalidade passiva, o alto êxtase tem, igualmente, dois graus:
1°) Comunicação com a Natureza-essência na luz de glória;
2°) Com o Espírito puro. Quanto ao êxtase passivo astral ou inferior, ele é apenas o estado de lucidez, quer natural, quer magnética. A maior parte das visões beatíficas lhe são expressamente atribuíveis.
O que sobretudo importa ao adepto é chegar a pôr-se em comunicação espiritual com a Unidade divina; é cultivar um dos graus do Êxtase ativo e aprender a fazer com que, dentro de si, vil átomo, fale a Voz reveladora do Universal, do Absoluto.
Então é possível ao Relativo compreender o Absoluto? Não, sem dúvida; mas é viável assentir-lhe, sim, unindo-se a Ele. Um fragmento de espelho convexo não reflete todo o Céu? Toda a grande voz do Oceano não canta na cavidade do mais singelo molusco, que teve a fortuna (diz a lenda) de suportar, mesmo por uma hora, seu beijo imenso e sonoro?
Assim, o Êxtase deixa na alma extasiada (ainda que por uma hora) a impregnação do Infinito, a noção vivida do Absoluto - o murmúrio incessante do Ele revelador, que contém todos os Eus, sem ser contido por nenhum. Quanto gozo! Revigorar sua vida individual no oceano coletivo da vida incondicionada, ou aspirar a seiva espiritual no próprio Espírito puro - e se alimentar! É uma iniciação decisiva: uma janela aberta para a imensidão da Luz inteligível e do Amor divino, da Verdade celeste e do Belo típico.
Reencontrar o caminho do primitivo Éden...! Muitos passam ao lado da porta que comanda essa senda, e nem mesmo percebem esta porta ou, se a vêem, desprezam-na, deixando de bater nela. Talvez até bata nela um curioso que não saiba fazer ressoar o umbral dos três toques místicos: bate profanamente e a porta não lhe será aberta. O Cristo disse: "Petite et accepietis, pulsare et aperietur vobis", mas Ele também disse: "multi vocati, pauci vero electi". Como conciliar esses dois textos? Acontece que às vezes aqueles que batem na porta não são ainda chamados; muitas vezes aqueles que seriam chamados não batem, ou, mais frequentemente, batem mal...
Portanto, se aspiras a tornar-te um Adepto, evoca o Revelador que fala ao âmago do teu ser; impõe ao Eu o mais religioso silêncio, para que o Ele se possa fazer ouvir. E então, mergulhando nas profundezas de tua inteligência, escuta falar o Universal, o Impessoal, o que os gnósticos chamam de Abismo...
Porém, é preciso estar preparado (e esse é o papel do Iniciador humano: zelar por essa preparação), sem o que o Abismo só tem uma voz para aquele que o evoca estouvadamente, voz terrível e que tem o nome de Vertigem. Em resumo, tem-se aqui um grande e sublime Arcano: alguém só pode completar sua iniciação pela revelação direta do Espírito universal, coletivo, que é a Voz que fala ao interior. Ele é o Mestre único, o inevitável Guru das supremas iniciações. Conhecemos as diversas maneiras de entrar em contato com Ele: ir à sua busca, fazê-lo vir, deixá-lo vir, entregar-se a ele ou tomar parte em sua soberania..."
(Texto extraído do livro "No Umbral Do Mistério" – Stanislais De Guaita – Ed. Martins Fontes)
- Notas de Wagner Borges:
1. O que o autor chama aqui de êxtase refere-se às expansões da consciência (experiências de consciência cósmica, samadhi, entre os iogues) e as experiências de projeção do corpo mental, quando o corpo mental projeta-se temporariamente para fora do corpo espiritual, e permanece ligado a este pelo cordão de ouro, ligação sutil entre o veículo de manifestação astral e o mental puro.
2. Cordão de prata, elo de ligação energética que conecta o corpo espiritual ao corpo físico.
"...Voltemos aos modos de Reintegração. Chamamos de reintegrado (Yogue, da Escola Mística ortodoxa, na Índia) aquele que pode, sempre que desejar, dominar inteiramente seu Eu sensível exterior, para abstrair-se em espírito, e mergulhar, pelo orifício do Eu inteligível interno, no oceano do Ele coletivo divino, onde retoma consciência dos arcanos complementares da Natureza Eterna e da Divindade.
Chamamos de "nascido duas vezes" (Dwidja, da Escola Mística, na Índia) aquele que pode abandonar sua efígie terrestre, em corpo astral ou etéreo, para haurir no oceano astral a solução dos mistérios que oculta. A reintegração espiritual interna pode tomar o nome de Êxtase ativo. Convencionou-se dar à projeção da forma sideral o nome de Saída em corpo fluídico (ou astral)...
O êxtase ativo apresenta dois graus. No primeiro, o Adepto penetra a própria essência da Natureza eterna, que lhe comunica de modo direto, sem símbolos, a Verdade-Luz. No segundo grau, ele pode comunicar-se mesmo com o Espírito puro, que o arrebata ao Céu inefável dos arquétipos divinos. Nesse caso, ocorre a transfusão da Divindade-pensamento que se faz humanidade-pensante em sua inteligência, pelo efeito de uma alquimia íntima, de uma transmutação gigantesca e inexplicada.
A Saída em corpo astral difere do Êxtase ativo, uma vez que o corpo físico parece, então, em catalepsia, acionado apenas por uma vitalidade de certa forma vegetativa, enquanto o corpo astral ou mediador plástico (envoltório ambulante da alma espiritual) flutua na imensidão do éter sideral ou luz universal e se dirige para onde quiser, vinculado ao corpo material por uma espécie de umbilicação fluídica.(2)
Assim, a personalidade consciente vagueia sob forma astral por onde lhe apraz e vai, por si mesma, tomar conhecimento das realidades longínquas que lhe podem interessar. Mas então - se são noções de ordem inteligível que ela deseja adquirir - essas noções lhe são transmitidas apenas simbolicamente, por intermédio da luz astral, que é antes de tudo configurativa, e portanto só fala oferecendo à sagacidade do Espírito uma série de imagens que este deve, em seguida, traduzir como hieróglifo do Invisível. O modo concreto e emblemático é, assim, o único de que a Verdade pode fazer uso para exprimir-se por intermédio do Astral.
Na modalidade passiva, o alto êxtase tem, igualmente, dois graus:
1°) Comunicação com a Natureza-essência na luz de glória;
2°) Com o Espírito puro. Quanto ao êxtase passivo astral ou inferior, ele é apenas o estado de lucidez, quer natural, quer magnética. A maior parte das visões beatíficas lhe são expressamente atribuíveis.
O que sobretudo importa ao adepto é chegar a pôr-se em comunicação espiritual com a Unidade divina; é cultivar um dos graus do Êxtase ativo e aprender a fazer com que, dentro de si, vil átomo, fale a Voz reveladora do Universal, do Absoluto.
Então é possível ao Relativo compreender o Absoluto? Não, sem dúvida; mas é viável assentir-lhe, sim, unindo-se a Ele. Um fragmento de espelho convexo não reflete todo o Céu? Toda a grande voz do Oceano não canta na cavidade do mais singelo molusco, que teve a fortuna (diz a lenda) de suportar, mesmo por uma hora, seu beijo imenso e sonoro?
Assim, o Êxtase deixa na alma extasiada (ainda que por uma hora) a impregnação do Infinito, a noção vivida do Absoluto - o murmúrio incessante do Ele revelador, que contém todos os Eus, sem ser contido por nenhum. Quanto gozo! Revigorar sua vida individual no oceano coletivo da vida incondicionada, ou aspirar a seiva espiritual no próprio Espírito puro - e se alimentar! É uma iniciação decisiva: uma janela aberta para a imensidão da Luz inteligível e do Amor divino, da Verdade celeste e do Belo típico.
Reencontrar o caminho do primitivo Éden...! Muitos passam ao lado da porta que comanda essa senda, e nem mesmo percebem esta porta ou, se a vêem, desprezam-na, deixando de bater nela. Talvez até bata nela um curioso que não saiba fazer ressoar o umbral dos três toques místicos: bate profanamente e a porta não lhe será aberta. O Cristo disse: "Petite et accepietis, pulsare et aperietur vobis", mas Ele também disse: "multi vocati, pauci vero electi". Como conciliar esses dois textos? Acontece que às vezes aqueles que batem na porta não são ainda chamados; muitas vezes aqueles que seriam chamados não batem, ou, mais frequentemente, batem mal...
Portanto, se aspiras a tornar-te um Adepto, evoca o Revelador que fala ao âmago do teu ser; impõe ao Eu o mais religioso silêncio, para que o Ele se possa fazer ouvir. E então, mergulhando nas profundezas de tua inteligência, escuta falar o Universal, o Impessoal, o que os gnósticos chamam de Abismo...
Porém, é preciso estar preparado (e esse é o papel do Iniciador humano: zelar por essa preparação), sem o que o Abismo só tem uma voz para aquele que o evoca estouvadamente, voz terrível e que tem o nome de Vertigem. Em resumo, tem-se aqui um grande e sublime Arcano: alguém só pode completar sua iniciação pela revelação direta do Espírito universal, coletivo, que é a Voz que fala ao interior. Ele é o Mestre único, o inevitável Guru das supremas iniciações. Conhecemos as diversas maneiras de entrar em contato com Ele: ir à sua busca, fazê-lo vir, deixá-lo vir, entregar-se a ele ou tomar parte em sua soberania..."
(Texto extraído do livro "No Umbral Do Mistério" – Stanislais De Guaita – Ed. Martins Fontes)
- Notas de Wagner Borges:
1. O que o autor chama aqui de êxtase refere-se às expansões da consciência (experiências de consciência cósmica, samadhi, entre os iogues) e as experiências de projeção do corpo mental, quando o corpo mental projeta-se temporariamente para fora do corpo espiritual, e permanece ligado a este pelo cordão de ouro, ligação sutil entre o veículo de manifestação astral e o mental puro.
2. Cordão de prata, elo de ligação energética que conecta o corpo espiritual ao corpo físico.