DIANTE DO ABISMO - por Nazaré Lisboa

- Por Nazaré Lisboa -
 
Percebo uma parede rochosa à minha frente. Estou diante de algo intransponível.

Assola-me uma dúvida: “O que seria essa muralha?”

Parece a escarpa de uma montanha, mas em sua superfície vejo água. Um lençol de água que cai junto à parede de pedras escuras. O líquido transparente escorre e eu certamente poderia segui-lo para baixo. Também poderia tentar me elevar e chegar ao topo do abismo. Parada assim no meio de um enigma é que não posso ficar. Preciso escolher entre o subir e o descer, entre levantar-me ou escorregar.

O momento da decisão é tão curto! Quase como um tempo entre duas notas musicais.

Toda a mágica da melodia se concentra nele. Um tudo e um nada.

Navegando sobre as notas, sigo a sublime melodia.

Toda minha carga material está confusa! Sinto apenas partes de meu corpo, estão desconectadas. Partes de minha vida me acompanham como fardos voadores que não chegam a formar um contexto. Dentro de toda confusão, vejo uma feiticeira mexendo em suas poções.

Eu sou o substrato de sua magia. Não me entendo.

Ela me mostra que eu poderei erguer-me, ou me deixar seguir na correnteza que certamente me levará ao rio.

Só então vejo um sentido. Minha vida se ordenou. Cruzando a linha do verão, vi lindas manhãs que deveriam ser desfrutadas. Era meu tempo, eram minhas manhãs. Percorri todas elas em gozo supremo. Passei pelas estações da vida. Existe um nexo. Ouvi o nome do Mestre.

Passei pela guerra, superei o mal, segurei a verdade entre os dedos. Parece que estou pronta.

Enquanto me dirijo apenas a um nada, penso que toda a viagem nos leva a algum lugar.

Atravesso a barreira de pedra, escuto a retenção da matéria.

Vejo o que não via. A poesia da morte! Uma mulher vestida de branco me abençoa e me faz perceber como é lindo aquele momento.

Avalio o que deixei. A bagagem da vida perdeu quase todo seu peso. Ela me pergunta a serviço de quem eu estava trabalhando. Muitas e muitas pessoas ficaram parcialmente satisfeitas.

Por que carregara tanto peso?

Inconformada, entendo que perdi quase tudo que trazia, mas logo consigo intuir que o deixado atrás de nada valia.

No entanto, a pequena parte que restou contribuiu para a construção do império.

No alto da montanha o imperador mostra-me o vale. Maravilhada, interpreto a história da humanidade. As épocas passaram por mim.

Percebo que o trabalho foi feito, percorri todas as minhas etapas. Agora estou completa!

Posso erguer-me ou posso me abandonar à correnteza...

(Texto inspirado na letra da música “Close To The Edge”, da banda inglesa de rock progressivo YES – Cd. Close To The Edge – 1972).

- Nota de Wagner Borges: Nazaré reside atualmente em Joinvile, Santa Catarina. É fã do Yes, poetisa e escritora, e tem dois livros publicados: “Da Morte Mariana Volta à Vida” e “Reflexos”. Ela nos autorizou a postagem desse seu belo poema. Para maiores detalhes sobre o seu trabalho, ver o seu site na Internet: www.nazarelisboa.com.br

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