O MURO DOS PAPEIZINHOS

- Por Frank -


Queria deixar meu papelzinho no Muro das Lamentações. Não era um lamento nem um pedido, era apenas um agradecimento ao Deus dos Judeus, que também era meu, por ter me dado forças e meios para estar ali naquele momento.

Escrevi em letrinhas pequenas, num papel menor ainda, porque em cada curva das pedras, em cada espaço do muro, havia tantos outros papeizinhos, que o próprio muro é que lamentava a falta de espaço e pedia ao peregrino que fizesse apenas de cabeça mesmo o pedido, assim Deus não precisaria coletar todos os papeizinhos, e a Mãe Natureza agradeceria o esforço empreendido.
Como sou um viajante à moda antiga e ainda não sei agradecer mentalmente, sem que o ego saliente grite um novo pedido, decidi usar o meu papelzinho e escrevi nele com todo carinho:

"Shalon, meu Deus, obrigado por eu estar aqui.

Sha Alah Akbah, agradeço também pelo que está por vir...

Amém, agradeço a Jesus Cristo e a meu Padim Ciço por me livrar de todos os perigos.

Om Namah Shivaya!*

Agradeço, também, não só pelos amigos, como também pelos inimigos.”

Antes que o meu papelzinho virasse uma lista, guardei a caneta e fui tentando enfiar o meu papelzinho no muro, já que o Rabi que controlava o fluxo, estava me olhando feio de canto de olho; afinal, havia tantos infiéis como eu na fila com seus papeizinhos, que os verdadeiros peregrinos que vieram ali para rezar estavam de canto, espremidos. Porém, ao tentar enfiar o meu papel no muro, percebi que, para conseguir ser ouvido, precisaria derrubar pelo menos um outro papelzinho, uma vez que não tinha mais nenhum lugar no muro que não estivesse preenchido.

Pensei bem e, mesmo achando que tinha direito a um lugarzinho no muro garantido, guardei meu papelzinho no bolso e mentalmente falei com Deus em frente ao muro:

"Deus dos judeus, que também é meu Deus/Deusa, que criou tudo.

Esqueça a casa mobiliada, esqueça a próxima viagem para o Egito; eu só quero dizer obrigado, por tudo. Pelas coisas boas e também pelas más experiências, que, afinal, são a minha base de aprendizado nesse mundo e formam a minha essência"

Satisfeito, abri os olhos e fui indo embora devagarzinho. Nisso, notei um pequeno espaçinho num canto do muro, perfeito para o meu papelzinho, e antes que alguém da fila notasse, enfiei por lá o meu papel, no meio de tantos outros, bem espremido, já que, àquela altura, o meu agradecimento virara mesmo um pedido.



Jerusalém, Israel - 28 de Fevereiro 2005.

- Nota de Wagner Borges:
Frank é o pseudônimo do nosso amigo Francisco,participante do grupo de estudos do IPPB e da lista Voadores, que atualmente mora em Londres. Ele escreve textos muito inspirados e nos autorizou a postagem desses escritos. Neste momento ele está em viagem de férias pelo Oriente Médio, de onde remete os seus escritos contando sobre suas observações e reflexões conscienciais.
Há diversos textos dele postados em sua coluna da revista on line de nosso site e em nossa seção de textos projetivos e espiritualistas, em meio aos diversos textos já enviados anteriormente. www.ippb.org.br

- Nota do texto:
* Om Namah Shivaya (do sânscrito): mantra de evocação do deus Shiva na cosmogonia hinduísta.

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