O TANTRA: UM ILUSTRE DESCONHECIDO

Muito se ouve falar de Tantra, disciplina espiritual da Índia.

Mas o que é Tantra?

Para o ocidental, geralmente o Tantra é associado a algum tipo de disciplina relacionada à sexualidade, aonde esta seria o foco central dos ritos.

Essa é uma visão equivocada e simples de ser compreendida.
No hinduísmo a sexualidade é vista como algo natural, ao passo que no ocidente judaico-cristão ela é vista como algo impuro em muitos casos.

O hindu e de certa forma os orientais em geral, buscam o controle da sexualidade. O ocidental reprime a sua sexualidade.

Há uma diferença muito grande entre reprimir e controlar. Aquele que reprime seus desejos fica com eles o tempo inteiro na cabeça e perde o domínio sobre sua mente. Aquele que os controla é senhor de si mesmo, sabe a hora de expressá-los e de conte-los.

O Tantra é a disciplina espiritual que surgiu na Índia a aproximadamente sete mil anos e foi evoluindo até se cristalizar na Idade Média.

A palavra tantra significa literalmente “aquilo que libera da escuridão” e suas práticas, ao contrário do que muitos pensam, estão centradas na meditação.

Assim como a maioria das disciplinas espirituais hindus, o Tantra busca a união da consciência individual com a Consciência Infinita ou Cósmica, mas ao contrário dessas disciplinas, o Tantra não despreza a experiência material, pois afirma que o ser tem que se realizar e alcançar a liberação em todos os planos de existência.

O praticante do Tantra dá extrema importância à vivencia espiritual - em detrimento a erudição excessiva praticada pelos Brahmanes (sacerdotes hindus) - e a manipulação e ao controle das energias psico-espirituais do ser, estudando de maneira criteriosa as correntes de energia que fluem no corpo do homem e suas manifestações.

Tantra-Yoga: uma síntese espiritual.

A palavra yoga vem do sânscrito e tem como tradução literal “união” mas também pode ser traduzida como “disciplina”.

O Tantra-Yoga é a disciplina que busca a unidade com a Realidade transcendental através do controle da mente. Ele busca recuperar a continuidade da percepção existencial, fragmentada pela personalidade egóica, ou seja, busca a transcendência do ego.

No Tantra o uso de mantras (vibrações energéticas específicas) é extremamente importante, assim como as visualizações meditativas.

A prática dos mantras é uma disciplina que se encontra nos Vedas e muitos dos conceitos de Realidade Definitiva são encontrados nos Upanishads, ambos anteriores aos Tantras Muitas outras práticas tântricas usam como apoio as asanas ou posturas físicas praticadas pelos hatha-yogues.

A literatura tântrica, conhecida como Tantras (lit. “tratados”), em muitos casos são narrativas de conversas entre o deus Shiva e sua consorte Parvati, a personificação de Seu poder ou Shakti, onde Shiva explica a vida espiritual a sua amada.

Nessas conversas, Shiva a instrui na prática de asanas (posturas físicas mais conhecidas pelos ocidentais como Yoga, o que não é correto.), pranayamas (controle da energia vital através da respiração), meditação, conduta moral, asceticismo e celibato.

Energia Sexual x Kundalini

O deus Shiva é extremamente importante dentro do universo tântrico sendo a sua manifestação como Parama-Shiva a mais importante.

Parama-Shiva é a Realidade Suprema. Dentro dessa Realidade encontramos Shiva (lit. “O Benevolente”) e Shakti, seu poder. Shiva se desdobra no aspecto subjetivo e masculino da Consciência e Shakti no objetivo e feminino, polarizando a consciência no sentimento de “Eu” e “Isto” mas sem haver uma separação bipolar.

Shakti é a fonte de poder e dinamismo por trás da estabilidade e subjacência de Shiva.

Segundo os textos tântricos, esse Poder (shakti) cria todo o universo através de seu movimento espiralado, sendo conhecido como Maha-Kundali. Essa mesma kundali vai se densificando e criando as várias gradações da matéria, física e espiritual, até “descansar” no sétimo centro energético do homem, situado na base da coluna, entre o ânus e o cóccix. Essa visão é muito semelhante à história cristã que nos diz que Deus criou o mundo em 6 dias e descansou no sétimo. No Tantra, os seis dias seriam os seis chakras superiores (centros psico-energéticos) dispostos ao longo da coluna, os quais representam as diferentes gradações energéticas e consciênciais encontradas na Realidade Manifesta. É no sétimo centro que a kundalini está em estado latente, esperando para ser despertada.

Kundalini é uma palavra sânscrita que tem sua origem em kundal (lit. “enroscado”) e que é muitas vezes traduzida como “poder serpentino”, pois apresenta um movimento espiralado como o de uma serpente.

O “poder serpentino” é energia estritamente espiritual e na sua forma mais densa é associada a energia telúrica (planetária).

Os textos hindus mostram essa estabilidade da kundalini e apontam que sua contraparte dinâmica que vivifica o mundo é o Prana (lit. Energia Vital) que é irradiado pelo Sol, se misturando a nossa atmosfera, água e alimentos. A principal fonte de energia vital que temos se encontra no ar e não na alimentação. Podemos ficar dias sem comer e sem beber água mas não podemos ficar mais que 5 minutos sem respirar.

Os monges tântricos visam o gradual despertar da kundalini, através da prática da meditação em conjunto com visualizações criativas, o uso de mantras e mudrás (gestos sagrados), afim de “absorver” o prana através dos chakras para, através do dinamismo do prana, despertar a kundalini do seu estado latente, imprimindo-lhe movimento.

Para todo movimento existe sua contraparte estática. Quando a kundalini está dormente ela é a contraparte estática do prana. Assim que ela se movimenta na base da coluna, sua contraparte estática passa a ser a região no centro do peito. Quando esta é atingida pela kundalini, a parte estática desloca-se para a região entre as sobrancelhas. Atingindo esse ponto a kundalini fica livre para unir-se a Parama-Shiva, a Realidade Definitiva.

Esse despertar é gradual e deve ser acompanhado, sempre, de um despertar consciencial.

As travas energéticas que existem no centro do peito e na região entre as sobrancelhas existem para a nossa proteção. O nó energético do coração só se desfaz quando o praticante alcança o equilíbrio de seus sentimentos e emoções e o nó da região entre as sobrancelhas se desfaz quanto o reto pensar, o equilíbrio entre amar, agir e pensar é atingido.

Quando o praticante não desenvolve a sua espiritualidade e se perde na busca de poderes, as travas energéticas não se desfazem e o praticante deslumbra-se com a aquisição de poderes psíquicos, tornando-se um potencial mago negro. E é, na maioria dos casos, para essas pessoas que a prática sexual (maithunaa) é importante.

Dentre as energias mais potentes que temos em nosso corpo está a energia sexual. Essa energia é tão poderosa que é capaz de gerar um corpo. Sabendo disso, os tantrikas (como são conhecidos os praticantes do Tantra) buscam a transformação dessa energia em outra mais sutil chamada “ojas” (virilidade, vitalidade), também conhecida como rasa e é nesse sentido que a sexualidade é importante no Tantra.

Muitos monges tântricos praticam o Brahmacharya (lit. Brahman é o mestre), que é a prática de visualizar todos os objetos com o qual você entra em contato como expressões do Brahman Supremo, fazendo com que o praticante fique ininterruptamente ligado a Brahman.

Brahmacharya é, de fato, a prática do controle e equilíbrio dos desejos e ações em todas as esferas de existência, inclusive a sexual, e não somente a prática do celibato ou da retenção do sêmen, para a sua transformação em “ojas”.

Este tipo de pensamento é típico da parte mais ortodoxa dos praticantes hindus, que excluem a prática espiritual das pessoas casadas e das castas inferiores. A essas pessoas restam a pratica dos rituais na forma de adoração a deidades e na prática da devoção. Vale frisar que o Tantra não aceita o sistema de castas.

A espiritualidade mais profunda não chega à população em geral.

É por esse e outros motivos que o Tantra é visto como uma prática marginal na cultura hindu ortodoxa, sendo considerada até mesmo herética, pois abre o ensinamento espiritual para o praticante sincero, mesmo que esse seja um pária.

Um segundo motivo, mas não menos importante, está na mudança da visão que se tinha em relação às mulheres.

Para um asceta em geral, há a seguinte divisão:

O Espírito é Bem-Aventurança e o Homem é igual ao espírito.

A Natureza (mundo material ou fenomênico) é sofrimento e a Mulher é igual à Natureza.

O Tantra quebra essa visão, apesar de continuar vendo a Mulher como igual à Natureza. Mas a diferença está em que os tantrikas vêem a natureza não como uma ilusão (maya) mas sim como uma manifestação de Shakti, o Poder Divino, que era altamente desejável. Assim o convívio e a associação com as mulheres eram altamente desejáveis, pois elas representam a Shakti Universal personificada.

O celibato também é comum ao praticante do tantra e há práticas, como danças ritualísticas, que visam à purificação das glândulas e no auxílio à manutenção do celibato.

As práticas tântricas que usam do intercurso sexual não constituem o cerne da filosofia tântrica e, na maioria das vezes, são interpretadas de maneira errada pelo ocidental. Elas são praticadas com mais periodicidade nas escolas de “Esquerda” ou negativa do Tantra, aonde infelizmente, muitas das práticas se tornavam verdadeiras orgias, devido ao baixo nível espiritual dos seus praticantes.

Como vimos, Shiva e Shakti são os centros da adoração do Tantra. Sendo assim, durante o intercurso sexual, o praticante do tantra vê em sua esposa a personificação da Shakti e a esposa vê em seu marido a personificação de Shiva, fazendo do ato sexual um ritual devocional, relegando a união sexual a segundo plano, pois o foco da união não é o prazer sexual e sim a ligação de coração a coração. É comum durante a prática o esposo vivenciar o “saúdo a Divina Mãe (Shakti) que habita no meu coração” e a esposa o “saúdo o Pai Celestial (Shiva) que habita no meu coração”, levando assim a união dos aspectos masculino e feminino do ser.

Os Tantras (textos sagrados) dizem que Shiva está no topo da cabeça, no chakra Sahashara e que Parvati (Shakti) está presa nas teias do mundo fenomenal, na base da coluna, adormecida pelo veneno de tamas (inatividade, ignorância) e busca ardentemente ser despertada e ir em direção ao seu Bem-Amado.

O praticante do Tantra é extremamente otimista e cultuam a motivação, o pensamento puro e o desejo puro e ”Assim como o Sol seca a tudo, o fogo consome tudo, o yogue aprecia tudo e nunca é maculado pelo pecado.” (Kula-Anarva-Tantra)

Assim, concluímos com a certeza de que o Tantra é fonte de imensuráveis tesouros espirituais, de brilho dourado, mas que ofusca a visão dos que se apegam ao brilho e se deslumbram com ele ao invés de procurar a Fonte desse brilho.

Por Luiz Fernando Mingrone (Enki)

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